Principais nomes da gastronomia mundial identificam caminho a seguir

Comunidade. União. Solidariedade. Redescoberta. Respeito. Criatividade. Mudança. Estes foram alguns dos temas que pautaram a primeira edição do The Power of Food, evento em live streaming com a chancela Sangue na Guelra criado pela Amuse Bouche com o propósito de discutir o futuro da restauração numa altura em que o sector se debate pela sua sobrevivência.

Nos dias 4 e 5 de maio, ao longo de quase 18 horas, mais de 40 dos mais importantes nomes da gastronomia nacional e internacional foram os protagonistas de 17 sessões em direto transmitidas através das plataformas Facebook Live e Youtube. Conectados virtualmente estiveram figuras de relevo como Dan Barber, Daniel Humm, Alex Atala, José Avillez, Henrique Sá Pessoa, Ana Roš, Gaggan Anand, Joan Roca, Andoni Aduriz, Enrico Vignoli, Andrea Petrini ou Virgilio Martínez, que, em conversas partilhadas com o mundo, confessaram histórias de vida, debateram ideias e revelaram projetos para o futuro.

E o que é que nos une? É o poder da comida. Mas não só…

O PODER DA COMUNIDADE

É altura de nos virarmos para dentro, de nutrir quem nos rodeia, de realmente nos envolvermos na comunidade. “A primeira coisa que todos deveriam fazer é olhar para aquilo que consideram ser a sua vizinhança. Acho que não há uma resposta para o que fazer daqui para a frente, mas todos devíamos inspirar-nos no que os outros estão a fazer e no sítio onde se encontram”, apontou Enrique Vignoli, diretor de back-office do grupo Francescana, liderado por Massimo Bottura, que tem lidado com a crise através de sistemas de delivery originais, apoiados por vídeos com receitas, podcasts e livestreams

Jornalista da Fine Dining Lovers, Ryan King realçou a importância de cada chef, restaurante ou projeto de restauração, principalmente os mais direcionados para o turismo, perceber como pode ajudar e trabalhar dentro da sua comunidade. “Pelo menos encontrem qual é a vossa conexão com a comunidade local”, apontou.

Também Hugo Brito, chef português à frente do Boi-Cavalo, restaurante localizado num dos bairros mais turísticos de Lisboa, Alfama, reconheceu a necessidade de uma reaproximação a quem está mais perto.  “Os negócios não podem depender tanto do turismo. Vamos ter de nos aproximar dos portugueses”, resumiu em conversa com Alexandre Silva (LOCO* e FOGO) e Vasco Coelho Santos (Euskalduna Studio).

O PODER DO RESPEITO

É urgente reavaliarmos a nossa relação com os ingredientes, com a terra, com o mar. Esta foi uma das ideias mais repetidas ao longo de dois dias onde houve tempo para aprofundar o trabalho feito por Virgilio Martínez (Central) e Pía Léon (Kjolle), no seu pioneiro centro de pesquisa e valorização dos produtos peruanos Mater Iniciativa, ou por Rodolfo Vilar, o fundador do projeto A.MAR, que tem como propósito a valorização da pesca artesanal e das comunidades piscatórias brasileiras.

Chef daquele que foi considerado o melhor restaurante do mundo em 2019 (Mirazur***), Mauro Colagreco assumiu que “a relação que temos tido com os alimentos ao longo das últimas décadas talvez não seja a ideal” e apelou a uma mudança para “um consumo mais racional, mais equilibrado, em que tenhamos consciência sobre o impacto do que consumimos”. 

Há que ter respeito pelo que comemos e pelo que isso significa para o mundo, seja através do ensino de uma cozinha mais consciente e sem desperdício, como sugeriu Alex Atala (D.O.M**), de uma maior atenção ao que é local, caminho seguido por Joan Roca no El Celler de Can Roca***, ou de um consumo mais diversificado de peixe, um dos temas centrais da mensagem transmitida por Luís Rodrigues, Diretor Regional das Pescas dos Açores.

O PODER DO HUMANISMO

Numa das talks mais emocionais do evento, Daniel Humm e Alex Atala falaram de amor através da comida mas também da forma como a crise pode ser uma oportunidade para reencontrar um propósito na profissão e para recuperar valores que se perderam pelo caminho. Depois de transformar o seu Eleven Madison Park*** numa cozinha de produção de refeições para os mais necessitados, Humm acredita que, no futuro, não faz sentido ter um restaurante “sem um propósito maior”.

“Nós somos todos culpados. Andávamos a viajar pelo mundo, a receber prémios, mas acho que agora todos precisamos de olhar e perceber o que podemos fazer para tornar o mundo melhor. E os restaurantes têm um papel muito importante. A comida afeta tantas coisas e a nossa voz é muito importante. Nós, restaurantes, chefs, podemos passar uma mensagem. Nós temos poder para enviar uma mensagem forte”, enfatizou Daniel Humm, numa reflexão que o polémico chef Gaggan Anand sintetizou numa frase: “estávamos a viver uma vida industrial, mas agora estamos de regresso à vida humana”.O PODER DA MUDANÇA

Ao longo de dois dias de conversas, houve espaço para opiniões mais românticas e para as mais pragmáticas, mas num ponto quase todos os intervenientes pareceram concordar: a mudança é mesmo necessária. “Penso que se continuarmos a ser tão conservadores, vai ser impossível. Acho que todos perceberam que quem tem uma ideia esta é a altura de a colocar em marcha. Tudo são desafios e tudo são oportunidades ainda que estejamos numa situação difícil. Eu estou numa situação económica desastrosa, mas só vejo oportunidades”, replicou Andoni Aduriz, chef do Mugaritz**, onde, garante, se continua “a trabalhar no futuro”.

Sempre provocador, Andrea Petrini, jornalista, crítico e road manager do GELINAZ!, deixou considerações críticas sobre a indústria como um todo: “Há 20 ou 25 anos, a Time Out começou a fazer críticas de restaurantes. A ideia de que em Paris, Londres, Lisboa ou Nova Iorque tens pelo menos 2,3,4,5 restaurantes interessantes que acabaram de abrir. O que significa que tens 2,3,4,5 restaurantes interessantes por semana ou por mês para experimentar. Todos fizemos parte deste consumismo”, recordou. “Mas porque é que nos comparamos a outras pessoas para ir a um restaurante? Queremos realmente mais do mesmo? Se me perguntarem, não, mas…”

Para Alex Atala, não podemos esperar que a solução venha de políticos, presidentes ou médicos, mas sim encontrar uma resposta coletiva. Na opinião do chef brasileiro, “todos precisamos de mudar enquanto seres humanos” e “assim que nos apercebermos que acordámos do nosso belo sonho e estamos a viver um pesadelo” haverá espaço para aprender novos valores.

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