Com uma vida dedicada ao setor do vinho, o presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, Vasco d’Avillez fala das tendências e dá dicas sobre o que se deve e não deve fazer ao consumir vinho
ShoppingSpirit News – É presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, e foi recentemente considerado ‘Personalidade do Ano’ no mundo do vinho, recebeu a Comenda da Ordem do Mérito Agrícola e conta com um percurso de quase 50 anos no setor do vinho. Como é que veio parar ao mundo do vinho?
Vasco d’Avillez – Comecei em 1970 na José Maria da Fonseca, numa unidade nova que tinha aberto as portas nesse ano, J. M. da Fonseca Internacional Vinhos Ldª, onde havia um Departamento de Relações Públicas. Entrei para trabalhar nessa área e com o tempo, até ir para a tropa, em 22 de Abril de 1974, especializei-me na recepção de visitantes, nacionais e estrangeiros (o que depois se chamou Enoturismo) e fiz dois cursos desta área em Berkeley na Califórnia, em 1970 e em 1973. Por curiosidade fui aprendendo sobre o vinho e fui muitas vezes chamado para as Câmaras de Provas da Firma para «representar o público». Muito me ensinaram assim, os Professores da altura nomeadamente o Sr. Engº Manuel Vieira e o Sr. Engº Fernando Soares Franco.
ShoppingSpirit News – Como é que caracteriza o vinho da região de Lisboa?
Vasco d’Avillez – São vinhos atlânticos com uma acidez marcada e um grau de álcool mais em linha com as iguarias da cozinha portuguesa, baixo, na casa dos 12,5% e por isso com a fruta mais evidente e mais fresca. Ótimos aperitivos por causa da relação entre a acidez e a fruta e o corpo médio que os vinhos apresentam.
ShoppingSpirit News – Que balanço é que faz em termos de produção e de consumo/vendas, dos vinhos da região de Lisboa?
Vasco d’Avillez – Os Vinhos Certificados, da Região Lisboa que são os que constituem a nossa atividade têm crescido muito nos últimos sete anos. Passámos de 16 milhões de garrafas em 2010 para uns esperados 40 milhões, no final de 2017. A Região pode ainda crescer muito mais se se certificar mais ainda do Vinho de Mesa (hoje em dia chama-se apenas: Vinho) que é feito na região, é muito bom mas os seus produtores não o fazem ainda.
ShoppingSpirit News – No “campeonato” dos vinhos de Portugal a região de Lisboa tem historicamente grandes adversários no Norte e no Sul. Como é que está essa “luta”?
Vasco d’Avillez – Há lugar para todos. O Douro e o Alentejo concorrem com os Vinhos de Lisboa pelo mercado da cidade de Lisboa. Mas os Vinhos de Lisboa dedicam-se sobretudo à Exportação e dos 40 milhões de garrafas a certificar este ano, cerca de 70% são para a exportação.
ShoppingSpirit News – E a nível de consumo? Sempre tive a ideia de que para os consumidores, quando se falava em qualidade, só havia o Dão/Douro e Alentejo, talvez fruto também da divulgação e do marketing, mas penso que já começam a olhar para a produção de vinho em Lisboa com outros olhos, estou certa?
Vasco d’Avillez – Sim, certamente, tanto mais que fala apenas nos consumidores nacionais. Ora os Vinhos Lisboa são únicos no panorama Nacional devido, entre outras razões, ao Clima, com a proximidade do Atlântico; com a barreira montanhosa paralela à costa composta pelas serras de Sintra; Montejunto; Candeeiros; Aire e ainda pela proximidade da nossa costa da Corrente Quente do Golfo. Outros fatores são a existência de humidades naturais – sobretudo no Verão- como o «Rossio» que constitui uma “rega” natural; as Castas plantadas e a maneira de trabalhar muito mecanizada em toda a Região.
ShoppingSpirit News – Como são atualmente as preferências?
Vasco d’Avillez – Há uma preferência muito marcada pelos Vinhos Brancos da Região Lisboa por serem dos melhores que Portugal tem. A Casta Arinto em Bucelas, para dar apenas um exemplo, faz vinhos de uma qualidade muito apreciada por todos e esta casta é a única que acompanha certas comidas, como ovos, bacalhau, molhos, etc. É a única que consegue evidenciar-se com estas comidas – mesmo com os ovos – sem deixar de mostrar sempre as suas qualidades.
ShoppingSpirit News – Pode falar um pouco das tendências atuais do vinho em Portugal?
Vasco d’Avillez – Cada vez mais o Vinho mostra que faz parte da nossa Cultura e é preferido e buscado em todas as ocasiões em que nós os Portugueses nos juntamos para celebrar seja o que for. Ora entre os estrangeiros que nos visitam em números crescentes esta tendência é ainda mais acentuada, tanto mais que o preço do vinho, seja ele servido a copo ou à garrafa, os surpreende sempre, pela
positiva!
ShoppingSpirit News – Como é que caracteriza o mercado e os consumidores?
Vasco d’Avillez – O mercado nacional é muito importante e os consumidores estão a mostrar cada vez maior discernimento na procura de qualidade a preço acessível. Ora os Vinhos da região de Lisboa são em Portugal a melhor oferta Preço/Qualidade e por isso têm crescido tanto e vêm as suas exportações a aumentar todos os anos.
ShoppingSpirit News – Sendo Portugal um país de vinho, a cerveja é muito mais bebida. Mas agora surgiu como que uma “cultura do vinho” que não existia porque se passou a vender vinho a copo em muitos bares, talvez por pressão dos turistas que têm esse hábito. Quer comentar?
Vasco d’Avillez – A venda da Cerveja é uma realidade que, num país como o nosso que tem muitos dias de grande calor, constitui uma defesa na satisfação da sede, dos consumidores. De facto desde a liberalização da venda de «vinho a copo» que, até meados dos anos noventa do Século passado, esteve pelo menos desencorajada mercê de legislação antiga e desatualizada, que as vendas de vinho têm vindo a crescer na restauração. Estamos ainda muito longe da importância do vinho na alimentação dos Portugueses que chegaram a beber por ano cerca de 85 litros per capita. Hoje o consumo não ultrapassa os 45 litros mas a qualidade do vinho que se bebe é muito melhor. Também aqui a Região dos Vinhos Lisboa tem vindo a melhorar sempre a qualidade e o número de medalhas ganhas pelos produtores e enólogos é surpreendentemente grande fazendo da nossa, a Região mais medalhada de Portugal.
ShoppingSpirit News – Também os enólogos começam a ganhar algum relevo nos consumidores. São como que os alquimistas do vinho. Acha que vai chegar-se ao ponto de escolher o vinho pelo enólogo? Ou esse grau de sofisticação não vai chegar?
Vasco d’Avillez – Espero que não pois o que nos interessa promover é a marca de cada vinho, o Produtor, que é o responsável por tudo o que esse vinho atinge e a Região de onde vêm as uvas que o fazem. Claro que o enólogo é importante tal como o Economista da firma em questão é importante e todos os profissionais o são quando desempenham bem o seu papel. Mas todos os profissionais existem para fazerem muito bem o seu papel e para «servir» o consumidor!
ShoppingSpirit News – Antigamente dizia-se que o vinho branco acompanhava o peixe e o tinto a carne. Hoje essa máxima foi desmistificada. Qual é a sua opinião. Que vinho deve acompanhar o quê?
Vasco d’Avillez – A resposta é simples e hoje em dia uma máxima do marketing dos vinhos: Bom é aquilo de que o Consumidor gosta!
ShoppingSpirit News – E em termos de temperatura também há alguns mitos. O vinho tinto afinal serve-se à temperatura ambiente ou deve ser arrefecido sem estar gelado.
Vasco d’Avillez – Aqui não há dúvidas. O Vinho Tinto atinge o máximo de prazer dado ao cliente à temperatura de 14ºC. Ora num país como o nosso onde comemos bem ao almoço e ao jantar e muitas vezes comemos ao ar livre, o vinho tinto para estar a 14º terá de ser arrefecido ligeiramente durante o tempo quente e aquecido ligeiramente durante o tempo frio. Não há que hesitar em o pôr no frigorífico no diaem que ao ar livre estão 28º, senão o vinho tinto atinge essa temperatura e não sabe a nada senão a álcool.
ShoppingSpirit News – Para terminar, para se apreciar um bom vinho, quais são os erros a evitar e os deveres a cumprir?
Vasco d’Avillez – O primeiro erro, ainda muito cometido, infelizmente, é o de não se usarem SEMPRE copos próprios para vinho. Custam pouco os menos sofisticados mas mesmo assim bons e o vinho fica incomparavelmente melhor servido em copos apropriados. O copo, cada copo, é importante para a temperatura de serviço, por causa da espessura do vidro, é importante para apurar o aroma do vinho, por causa do formato do copo de vinho, é importante para a apreciação do vinho por causa da transparência do copo, e é importante por ser mais bonito. Copos bons para vinho: SEMPRE!